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Grupo de trabalho da assembleia da República para avaliação do AO90

Setembro de 2019

 

1. Grupo de trabalho. Justificação. Critério de estudo

   Foi constituído em 2017 um Grupo de Trabalho, na Assembleia da República, para a Avaliação do Impacto do Acordo Ortográfico de 1990. Justificou-se, sic:

   «..... com as declarações do Presidente da Academia das Ciências de Lisboa e com o comunicado da Academia datado de 23 de Novembro de 2016, em que, nomeadamente, se anunciava para Janeiro do ano seguinte a apresentação de um estudo visando o aperfeiçoamento das Bases do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa «..... nos termos desse estudo (Sugestões para o Aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, 2017) a Academia reconhecia que “o texto legal do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AO90) é, por vezes, ambíguo, omisso e lacunar, não estabelecendo uma ortografia única e inequívoca, deixando várias possibilidades de interpretação em muitos casos, o que tem provocado alguma instabilidade ortográfica”»

   Seguindo um critério científico notável, este Grupo de Trabalho procedeu, então, a uma exaustiva recolha de dados, apresentados num texto com mais de meia centena de páginas, nas quais descreveu, com isenção, os pareceres de muitas entidades e especialistas na língua. Pareceres colhidos entre os ditos “acordistas” e os que simplesmente desejam a denúncia do AO90. Analisou o historial dos Acordos ortográficos e o do AO90 em particular.

2. Ponto da situação

   Depois, fez o ponto da situação da sua aplicação em Portugal, avaliando-o nos aspetos jurídico, diplomático, educativo, político e em questões de ordem técnico-linguística.

   Indicou também os desenvolvimentos recomendados para o AO90, que recebeu, na atual situação. Em resumo, cita, sic:

   «Os defensores do Acordo reconhecem maioritariamente a existência de pontos questionáveis, que apresenta incongruências e ambiguidades do ponto de vista técnico e que pode ser melhorado, que não elimina as diferenças entre as variedades do português, que algumas das opções do AO “são discutíveis ou que contém aspetos menos positivos que devem ser melhorados”  .....»

   «Para os opositores ao Acordo, por sua vez, as posições dividem-se entre, por um lado, a urgência da desvinculação, da sua suspensão ou revogação, e, por outro lado, o entendimento de que deve ser iniciado um processo de aperfeiçoamento ou reformulação.»

   «Ainda de acordo com D’ Silvas Filho, “o adiamento dos melhoramentos, `na atual aplicação´ do AO90, para um futuro que não se sabe quando virá, ou feita por novo Acordo, é adiar intencionalmente um problema que precisa de ser urgentemente resolvido, neste desentendimento insanável e nas confusões que suscita”.». «No mesmo sentido vão, por exemplo, o entendimento da Associação Portuguesa de Escritores, defendendo que deve ser feita uma revisão do Acordo, expurgando-o dos erros, ou de Fernando Venâncio, considerando que “ainda não é tarde para atalhar o mal” e que importaria, ponderadamente mas sem mais perda de tempo, auscultar “peritos (linguistas académicos e pedagogos) com vista a uma reformulação do Acordo para uso nacional, conservando nele o aproveitável e fazendo novas propostas nos pontos frágeis”.».

3. Conclusões aprovadas pelo grupo

   Por fim, o Grupo de trabalho, na sua última reunião nesta legislatura, em 2019-07-19, aprovou, com duas abstenções mas sem votos contra; sic, mas também resumido:

   «..... a aplicação do AO90, bem como a concretização dos objetivos que se propunha atingir continuam longe de ser uma realidade do ponto de vista político e social.»

  «De facto, quase três décadas depois da sua assinatura pelos então sete países de língua oficial portuguesa, a que mais tarde se juntou Timor­‑leste, apenas metade destes oito países terá procedido à sua ratificação.»

  «..... a lusofonia encontra-se atualmente dividida ortograficamente em três blocos de países....»

  «.... o AO90 é classificado como um incómodo, um elemento de divisão dos portugueses ou um facto consumado que coloca desafios a que, do ponto de vista político, social, técnico ou educativo, não temos sabido ou conseguido responder.»

  «A aplicação do Acordo no sistema educativo continua a colocar a questão de não apenas não se ter procedido a uma prévia avaliação do seu previsível impacto, como não se terem desenvolvido mecanismos de acompanhamento ou avaliação dos efeitos (positivos ou negativos) da sua implementação.»

4. Parecer e propostas do Relator não votadas

   Destaca-se o que ficou no relatório como parecer do Relator, mas não foi votado:  só quatro entre os oito países fizeram o depósito de ratificação;  não houve o devido acompanhamento do impacto no ensino nem no mercado editorial;  não houve estudo científico sobre as implicações na estabilidade ortográfica;  não há efetivamente o vocabulário comum previsto no Preâmbulo do AO99;  há a comprovada existência de opções discutíveis, incongruências e ambiguidades do AO90 do ponto de vista técnico.

   O Relator conclui propondo, além de a hipótese de se elaborar um novo AO, sic:

   «A criação de uma Comissão Científica para a Ortografia, ..... formada por personalidades representativas das comunidades académica, científica, literária e profissionais, para efeitos de acompanhamento de quaisquer desenvolvimentos de ordem política e diplomática relativos ao Acordo Ortográfico e apresentação, em conformidade,  de propostas ao Governo e à Assembleia da República

5. Parecer do autor deste artigo

   a) Sobre a importância do Relatório 

   O Relatório não tem força vinculativa, e as recomendações finais do Relator não foram sujeitas a votação. Pareceu um trabalho improfícuo, mas não o foi, porque o que está sufragado é altamente significativo: A aplicação do AO90 não atingiu os objetivos pretendidos (ao longo do texto conclui-se que tem incongruências e precisa de ser aperfeiçoado), resultou num incómodo e na divisão dos falantes ou mesmo dos países, ...quando o objetivo era ter-se uma língua efetivamente comum.

   b) Sobre as conclusões aprovadas:

  O autor sublinha que presentemente há, de facto, três línguas portuguesas quando anteriormente havia duas: a ortografia única brasileira, com grafias proibidas em Portugal (ex.: acepção, única anteriormente também em PT); a do continente europeu, com grafias impostas para Portugal, não válidas no Brasil (ex.: aceção, inventada para PT) e a dos PALOP que continuam com a Norma de 1945 (ex.: actual agora já não válida nem em PT nem em BR).

  Ora, enquanto Angola e Moçambique não aplicarem o AO90, em rigor o Acordo de 1990 continua a não ser a ortografia universal na Lusofonia. Havendo países que praticam ainda o português europeu de 1945, Portugal não pode marginalizá-los agora “ ...lá porque continuam fiéis ao passado do nosso país, na ortografia...” . Assim, como Portugal não pode condenar a ortografia de 1945 desses países fiéis, logo, também não pode condenar quem em Portugal a segue ainda.

  Invocam-se as criancinhas que aprenderam no AO90 (sem se ter avaliado as implicações do AO90...) ou a imprensa que teria de mudar, nos aperfeiçoamentos, mas esquece-se que isso aconteceu também na passagem da Norma de 1945 para o AO90...

   c) Sobre as propostas do Relator

  O autor pensa que com o atual AO90 é possível constituir-se um vocabulário que proteja a variedade portuguesa da língua, bastando seguir o espírito do AO90 na Nota Explicativa.

  Efetivamente, não houve um vocabulário dito comum (VOC) prévio, previsto no Preâmbulo, falseando o espírito de base do AO90; e continua a não haver, pois na realidade temos oito e inquinados com decisões dos vocabulários para o AO90 elaborados sem essa linha comum. Este é um “pecado original”, na aplicação do AO90, que deu origem a todo este desentendimento, agravado com as indefinições e falta de rigor do texto do AO90.

  De longa data, o autor recomenda que se ouçam as universidades, nomeadamente faculdades de letras, os escritores nacionais de renome, os professores de português, os jornalistas (que todos negligentemente não foram, ou foram mal, ouvidos ´pelos “soberanos” decisores do AO90) e acrescenta: a Imprensa Nacional-Casa da Moeda, a SPA.

  A proposta de se constituir uma Comissão Científica para a Ortografia, se a sua ação se estender aos aspetos técnicos, será vexatória para a Academia das Ciências de Lisboa, pois representa retirar-lhe o exclusivo de dar parecer sobre a língua. Aliás, a atuação da ACL, lembrando que o Grupo de trabalho se constituiu com base nas expectativas de aperfeiçoamento levantadas pela Academia, não é paradoxalmente avaliada nada bem no Relatório. Sic:

      «Supunha-se, pois, que do ponto de vista científico seria a Academia, consensualmente, a entidade adequada à apresentação das propostas de actuação a este nível, dirimindo posições extremadas  e assumindo, do ponto de vista científico, a condução do processo.»

   «Um elemento, portanto, de equilíbrio.»

   «Como, no entanto, já se viu, e mais se verá nos capítulos seguintes, também à Academia das Ciências de Lisboa não parece reservado esse papel – não se vislumbrando quem possa cumpri-lo.»

6. Conclusão

   O autor sente-se grato a estes nossos respeitáveis deputados pelo tão louvável empenhamento no estudo da língua. Um dos nossos patrimónios mais preciosos, merece bem, como foi neste caso, um interesse e respeito semelhantes ao que se tem com bandeira ou com hino nacionais, e estar sempre acima de todas as ideologias políticas ou de interesses instalados.

   Todavia, alguns deputados preferiram continuar com a cabeça na areia, não tomando posição quanto à pertinente recomendação do empenhado Relator, para se aperfeiçoar o AO90 em Portugal. O autor sublinha, mais uma vez, que os mais prementes melhoramentos estão bem identificados, consistem na abusiva aplicação do AO90 e podem conseguir-se meramente respeitando o espírito expresso na sua Nota explicativa, que tem sido ignorado.

D’ Silvas Filho

CSC